Quando saíres


Quando saíres, sê diligente em cerrar bem a porta,
Não para impedires teu regresso — que já não será possível —
Mas para que o vento não traga de volta os ecos do outrora,
Nem as sombras te tentem a calcar, de novo, o mesmo limiar.

Leva contigo tudo quanto te pertence:
Os toques que foram teus, os aromas da convivência,
As memórias, mesmo as tênues, e os risos entrecortados.
Tudo quanto puseste nesta casa do afeto, guarda em ti,
Ou lança-o ao esquecimento, selado numa caixa
De papelão ordinário, no porão do passado,
Para que ali feneça entre o mofo e o tempo,
Sem perturbar a morada que há de abrigar outrem.

Não voltes o rosto. Não vaciles nos passos.
Que tua decisão, ainda que árdua, seja firme como o aço forjado.
Pois o arrependimento — esse velho ladrão da paz —
Segue silencioso, como sombra ao crepúsculo,
A espreitar a menor fresta por onde possa entrar
E contigo fundir-se, tornando-se parte de ti.

Vai! Mesmo que o caminho à frente seja bruma e incerteza.
Que teus passos não tremam, que teus olhos não se desviem.
E, sobretudo, conserva o espírito desperto e a alma desanuviada,
Pois outras portas se abrirão — não por nostalgia, mas por destino.
E onde outrora foste hóspede, serás lembrança;
E onde fores estrangeiro, poderás ser lar.

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