ONU: A Organização que se tornou uma ONG de Luxo?
Durante a pandemia da COVID-19, milhões de pessoas em países pobres receberam suas primeiras vacinas graças à iniciativa COVAX, coordenada pela ONU. Em regiões devastadas por guerras — como o Sudão do Sul, o Iêmen ou a Síria — a comida que chega é muitas vezes distribuída pelo Programa Mundial de Alimentos. Crianças refugiadas, que perderam tudo, encontram nas escolas improvisadas da UNICEF o único ponto de esperança. A ONU salva vidas. Isso é inegável.
Mas… é só isso?
Se formos honestos, a Organização das Nações Unidas — essa sigla tão carregada de simbolismo — vem se parecendo cada vez mais com uma ONG global com status diplomático. Cheia de boas intenções, com projetos humanitários reais e fundamentais, mas sem poder real para mudar as estruturas de um mundo brutalmente desigual e violento.
A ONU foi criada em 1945, após o horror da Segunda Guerra Mundial, com a promessa de garantir a paz, a segurança e a dignidade humana. Mas, quase 80 anos depois, a promessa não virou prática. Do genocídio de Ruanda ao massacre em Gaza, das guerras civis africanas às invasões por grandes potências, a ONU observa, lamenta e emite notas oficiais. Quando muito, envia observadores ou media acordos frágeis — que dependem mais da boa vontade das partes do que da força da ONU.
E por que isso acontece?
Porque a ONU não é, de fato, uma organização de governança global. É um clube de nações soberanas com interesses próprios, onde os mais poderosos — especialmente os cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança (EUA, China, Rússia, Reino Unido e França) — possuem poder de veto. Basta um deles discordar, e qualquer resolução importante morre na raiz. Que tipo de "organização mundial" é essa, em que os interesses geopolíticos de meia dúzia de países paralisam qualquer avanço estrutural?
Além disso, as grandes decisões climáticas, como o Acordo de Paris, parecem mais cartas de intenções assinadas em cúpulas luxuosas do que compromissos sérios. Enquanto cientistas alertam para o colapso ambiental, muitos governos seguem aumentando emissões, desmatando florestas e subsidiando combustíveis fósseis — tudo sob o silêncio ou impotência da ONU.
E, ainda assim, paradoxalmente, ela é indispensável. Sem a ONU, quem coordenaria campanhas globais de vacinação? Quem acolheria refugiados em escalas tão massivas? Quem pressionaria por direitos humanos em regimes autoritários? A ONU é, muitas vezes, a única voz internacional nas regiões esquecidas pelo resto do mundo.
Mas talvez o maior problema da ONU seja o fato de que ela ainda opera com as regras do pós-guerra, num mundo totalmente diferente. Sua estrutura engessada, burocrática e hierarquizada impede que ela acompanhe as transformações políticas, tecnológicas e sociais do século XXI. Enquanto isso, empresas multinacionais, corporações digitais e interesses privados ultrapassam fronteiras com mais força do que qualquer diplomata da ONU jamais conseguiu.
É hora de um novo pacto global.
Uma reformulação profunda da ONU, que inclua países do Sul Global em posições de decisão, que limite o poder de veto e que transforme boas intenções em ações vinculantes e fiscalizáveis. Não se trata de destruir a ONU, mas de reconstruí-la — antes que ela se torne apenas uma lembrança respeitosa nas páginas dos livros de história.
Porque um mundo que ainda acredita na dignidade humana, na cooperação internacional e na paz não pode depender apenas de notas oficiais e bandeiras azuis.
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