Do início NÃO fim


No instante em que a carne roça o chão,
ele, frágil, entende o peso do que é ser.
Não há clarim que anuncie queda,
apenas o corpo, sem pressa, a ceder.

Em sua boca, o pó murmura segredos,
na palma, a pedra se deita em prece muda.
É ali — no ventre do abismo, no leito sem cor — que a vista se ergue, vencida, quase crua.

Quem o visse diria: jaz vencido,
feito folha que se curva à chuva fria.
Mas dentro dele, turva, brilha a sina:
quem toca o fundo, toca a luz que principia.

Pois não há queda sem busca de abrigo,
nem peito que, rasgado, não se lembre
do prodígio discreto de um braço amigo,
de um ombro que amanse o medo que se estende.

Ele, sem voz, procura no vazio a mão, a carne, o gesto que redime — feito milagre, neste mundo tardio, ter quem ampare, quem sopre o que se imprime.

É do chão que vislumbra o improvável:
um vulto, um pulso, um sopro de cuidado.
Enquanto tantos passam, inumeráveis,
um fica. E faz do fardo o seu legado.

E assim se ergue, por dentro, devagar,
não todo limpo — pois dor deixa raiz.
Mas quem tem quem o faça recomeçar
carrega em si a sorte que o refaz feliz.

Do iniciar não fim, segue seu rito:
cair, olhar o alto, ser bendito.

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