Alçapão de Vozes Velhas



Há quem insista em guardar rostos no bolso do casaco, mesmo quando a estação mudou faz tempo.
Nomes que dormem em silêncio, mas respiram — cúmplices de um passado que se finge esquecido, pendurados na memória como retratos tortos na parede.

Em noites caladas, ouve-se o sussurro do que não morreu direito.
Conversas mofadas, números que não deviam mais existir, ficam ali, latentes como brasas cobertas de pó.
Um estoque de beijos que nunca se gastam, uma despensa de promessas vencidas.

Há quem precise desse museu ambulante,
feito talismã de carência, álibi para o tédio,
porto de fuga para dias em que a coragem some.
Portas se mantêm entreabertas, só pra alimentar o sopro de vaidade — um aceno de que a fila nunca acaba, de que tudo pode recomeçar se a rotina pesar.

Enquanto isso, alguém varre os cantos,
espera a casa ficar limpa, aposta em silêncio que a porta feche.
Mas quem cultiva gavetas abarrotadas não tem espaço pra futuro.

Quem amontoa vozes velhas não sabe escutar presença.
É assim: nada se perde, nada se apaga — tudo se entorna, escorre devagar, contamina as paredes.

Em algum lugar, uma tranca range.
A maçaneta girando sozinha, toda noite,
pra lembrar que certas chaves nunca deveriam existir.
E quem mora dentro, cedo ou tarde, aprende: armário cheio de fantasma não guarda ninguém vivo por muito tempo.

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