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Mostrando postagens de julho, 2025

Deus não me explica. E tá tudo bem.

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É curioso como as pessoas se interessam tanto pela minha religião — ou pela ausência dela. Talvez isso se intensifique por causa das minhas formações. Ouço com frequência frases como: "Todo professor de física é ateu", ou "Mas você não tem religião?". Me lembra muito quem tenta descrever a gente com base em signos: um esforço de encaixar o incompreensível em rótulos confortáveis. Então, vamos lá: A concepção de Deus proposta pelas religiões tradicionais já não me faz sentido. Não porque não acredito em algo maior, mas porque vejo incoerência em tentar explicar o que, por essência, deveria ser inexplicável. Em limitar o que dizem ser ilimitado. Acredito em energia. Acredito em pessoas boas e ruins. Acredito em energias positivas e negativas. Acredito que, se alguém precisa temer um ser superior para agir corretamente, então essa pessoa nunca foi, de fato, boa. A vida está cheia de ateus que criam instituições filantrópicas e de cristãos que espalham ódio,...

Do início NÃO fim

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No instante em que a carne roça o chão, ele, frágil, entende o peso do que é ser. Não há clarim que anuncie queda, apenas o corpo, sem pressa, a ceder. Em sua boca, o pó murmura segredos, na palma, a pedra se deita em prece muda. É ali — no ventre do abismo, no leito sem cor — que a vista se ergue, vencida, quase crua. Quem o visse diria: jaz vencido, feito folha que se curva à chuva fria. Mas dentro dele, turva, brilha a sina: quem toca o fundo, toca a luz que principia. Pois não há queda sem busca de abrigo, nem peito que, rasgado, não se lembre do prodígio discreto de um braço amigo, de um ombro que amanse o medo que se estende. Ele, sem voz, procura no vazio a mão, a carne, o gesto que redime — feito milagre, neste mundo tardio, ter quem ampare, quem sopre o que se imprime. É do chão que vislumbra o improvável: um vulto, um pulso, um sopro de cuidado. Enquanto tantos passam, inumeráveis, um fica. E faz do fardo o seu legado. E assim se ergue, por dentro, devagar, não to...

Alçapão de Vozes Velhas

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Há quem insista em guardar rostos no bolso do casaco, mesmo quando a estação mudou faz tempo. Nomes que dormem em silêncio, mas respiram — cúmplices de um passado que se finge esquecido, pendurados na memória como retratos tortos na parede. Em noites caladas, ouve-se o sussurro do que não morreu direito. Conversas mofadas, números que não deviam mais existir, ficam ali, latentes como brasas cobertas de pó. Um estoque de beijos que nunca se gastam, uma despensa de promessas vencidas. Há quem precise desse museu ambulante, feito talismã de carência, álibi para o tédio, porto de fuga para dias em que a coragem some. Portas se mantêm entreabertas, só pra alimentar o sopro de vaidade — um aceno de que a fila nunca acaba, de que tudo pode recomeçar se a rotina pesar. Enquanto isso, alguém varre os cantos, espera a casa ficar limpa, aposta em silêncio que a porta feche. Mas quem cultiva gavetas abarrotadas não tem espaço pra futuro. Quem amontoa vozes velhas não sabe escutar prese...